Manual Indígena de Ecoturismo
Com o objetivo de atender expectativas e receios identificados nas fases anteriores, tendo em vista atividades e relações passadas entre comunidades autóctones e exóticas, foi criado material didático específico, denominado “Manual Indígena de Ecoturismo“ para informação e orientação das comunidades indígenas de como desenvolver operações de Ecoturismo em suas terras, ambiental e culturalmente sustentáveis.
Porém, a criação do Manual Indígena, foi motivado pela demanda de lideranças indígenas em encontro realizado em Redenção, Estado do Pará, portão de entrada para as terras indígenas Kayapó e Txucarramãe.
Aldeia 'Cenográfica" em Redenção
Esse encontro, promovido pela Funai em virtude do risco de desvio do objetivo inicial, face à 'apropriação' pelo prefeito de Redenção do assunto 'ecoturismo indígena', que, além de promover esse novo segmento turístico com distribuição de folhetos, pretendia construir uma 'aldeia cenográfica' na cidade.
Antevendo a possibilidade de ter no turismo indígena uma fonte de renda para o município, sem sequer saber que esse segmento turístico movimenta baixos fluxos de visitantes, com rigoroso controle da capacidade de suporte turístico e de eventuais danos culturais, o prefeito resolveu promover e construir uma 'aldeia cenográfica'.
Imediatamente ao tomar conhecimento desses fatos, a Funai, com apoio do Ministério do Meio Ambiente, promoveu um encontro, que ocorreu na Câmara de Vereadores, com a administração municipal e as lideranças indígenas, para explicar o que significava ecoturismo e ajudar aos atores envolvidos.
Folder de promoção do turismo indígena da Prefeitura de Redenção.
O Evento
O evento teve a duração de dois dias, sendo conduzido pelo indigenista Antonio "Toninho' Pereita Neto, diretor de Assuntos Fundiários da Funai e por Paulinho Payakan, contando com a presença de autoridades da administração municipal.
No primeiro dia, o consultor Roberto Mourão explicou às lideranças indígenas (incluindo as lideranças jovens) o significado de ecoturismo, assim como os benefícios e potencias impactos negativos socioculturais.
No final da apresentação, no final da tarde, iniciou-se um debate entre os Kayapó, em seu idioma nativo (tronco Macro-Jê), em que contou-se com tradução de Paulinho Payakan, que explicou que tratava-se de dúvidas dos caciques sobre ter ou não o ecoturismo em suas terras. Para os Kayapo a oratória é uma pratica sociocultural muito valorizada e se dizem como bons oradores, de fala bonita (kaben mei).
No dia seguinte, retomou-se os trabalhos, com os animos apasiguados, tendo sido definido que ficaria à cargo das lideranças jovens aceitar visitantes em suas terras, sob condições especiais.
Porém, a certa altura, um dos caciques, como os demais, devidamente paramentado com pintura corporal e armados de bordunas, arcos e flechas, interrompeu o consultor Roberto Mourão e deu-se o seguinte diálogo (sic):
- Roberto, kuben (homem branco) vem e diz pra indio que fazendeiro é bom...
- kuben vem e diz que madeireiro é bom mas pode ser mentiroso (kuben ênhire)...
- Kayapo sabe que nem todo madereiro ou fazendeiro é bom...
- Agora Roberto vem e diz que ecoturismo é bom...
- Mas que ecoturismo também pode ser ruim...
- Como podemos acreditar em Roberto se não sabemos direito o que é ecoturismo?
Encerramos os trabalhos e o consultor ligou para a coordenadora do programa Denise Hamú, em Brasília, mencionando o ocorrido. Denise imediatamente solicitou que fosse elaborada uma cartilha de ecoturismo específica para os indígenas, dando início na elaboração do que viria a ser o Manual de Ecoturísmo Indígena.
A equipe Técnica
Com a demanda pela 'cartilha', que foi substituida por um 'manual', uma vez que cartilha ou 'carta do abc' é um livro didático dedicado à alfabetização de crianças, o que não era o caso, Roberto Mourão convidou três consultores para auxiliar na empreitada:
- Sílbene de Almeida, técnico indigenista, emprestado ao Ministério do Meio Ambiente
- Regina Polo Müller, antropóloga, mestre em pintura corporal da Escola de Comunicação e Artes da USP
- Virgínia Valadão, antropóloga, cineasta, criadora do Centro de Trabalho Indigenista
A Criação do Manual
Os quatro, 'internados' num hotel no Rio de Janeiro, interados sobre ecoturismo e analisados os prós e contras da atividade turística, decidiu-se elaborar um 'storyboard' do conteúdo que se julgava importante para o manual de ecoturismo para os indígenas, inclusive considerando o grau de contato das comunidades e etnias com os 'não indígenas'. Ao material gráfico foram anexados conceitos, mensagens e textos, em linguagem 'ajustada' à forma de se expressar de alguns indígenas.
De possa do storyboard e algumas revistas de turismo, Sílbene viajou para o Acre, para cuidar da elaboração das ilustrações para o manual, com apoio dos alunos e professores da Comissão Pró-Índio do Acre, na ocasião coordenada por Renato Gavazzi.
Síbene trabalhou com uma equipe de artistas indígenas que desenharam as ilustrações dos conceitos e mensagens definidas no storyboard, e, que ao fim de cada dia, promovia um 'concurso' da melhor ilustração. A ilustração escolhida, pelos próprios artistas 'concorrentes', era comprada (R$ 300, com pagamento em espécie, na hora). As ilustrações foram aproveitadas para compor páginas ou detalhes utilizados na páginas finais do manual.
De volta a Brasília, ao material produzido no Acre, foi a Carmen de Souza, do Núcleo de Arte e Cultura (NAT), que formatou em compoôs o Manual de Ecoturismo Indígena, totalizando um tempo de elaboração de menos de 120 dias.